<marcelo> concordo com tudo, menos a ideia de compliance - ce pode se engajar, se conectar, estar disposto a mudar, etc, mas compliant ninguem e', ne'? ce voce vai no meu banheiro ce vai encontrar mil antibioticos que parei de tomar assim que a infeccao parou, apesar do meu medico insistir que vou acabar resistente - e' isso mesmo, resistir, nao aderir, e parte do nosso carater humano </marcelo> <!--3:08 AM-->
<Hana> acho que o tal "engajamento" que você mencionou, Marcelo, em português se chama de aderência ao tratamento - se vc estava pensando na tradução de "compliance."
eu conhecia a redução de danos para a aids, sim, mas muito pouco em relação ao uso de drogas.
tenho opiniões fugazes e muito emocionais sobre esse assunto. sou super atraída por ele e igualmente repelida. acho ainda surpreendente como o uso de drogas leva o homem à atitudes geralmente extremas, auto-destrutivas, marginais, violentas... doentes.
hoje mesmo fiquei observando o comportamento de um "junkie" na rua, as mãos todas picadas, a marcha endurecida (seria uma infecção na perna?), catando bitucas na sarjeta com agilidade, revirando lixo, uma pequena pilha de moedas nas mãos para a próxima dose. ele ia alheio a tudo, coletando a sua "subrevivência", trocando palavras curtas com uma parceira (que parecia em melhor estado do que ele). aonde esse cara vai acabar?
e de maneira geral, acho que a burguesia (ou não) usuária de drogas (como tem ecstasy e outras porcarias em comprimidos por aqui) sabe nada ou quase nada sobre as coisas que ingere/fuma/aspira. As vezes menos do que sobre uma carne que escolhe no supermercado.
</Hana> <!--1:43 PM-->
<mauro> Bem, andei trabalhando em outras coisas mas volto ao assunto.
... a reducao de danos foi aplicada no Brasil em politicas pœblicas de prevencao aa AIDS, e os resultados foram impressionantes. O Brasil hoje tem taxas de rejeicao aos medicamentos inferior a muitos paises europeus e EUA, ate porque os remedios sao fornecidos gratuitamente a todos os pacientes. Hoje sao aproximadamente 500 mil soropositivos no Brasil, e as estimativas no final dos anos oitenta era de que seriam 1 milhao e 200 mil pessoas.
Ao lidar com usuarios de drogas injetaveis os resultados trouxeram a questao legal e de qual seria a melhor forma de abordar o problema. O Brasil tem uma experencia singular inclusive com a quebra de patentes. No caso das drogas "recreativas" ninguem sabe o que pode acontecer mas como sao elas que movimentam a industria do trafico e' razoavel supor que recolher impostos e normatizar o uso pode resolver boa parte da encrenca.
abs
</mauro> <!--1:01 AM-->
<marcelo> o" approach" e' baseado nos conceitos de "change" (mudanca) - pelo fato que "denial" nao existe sem um saber pelo menos inconsciente - o denial e' retroativo, nao ha' negativo no insconsciente. quem nao acredita que nao e' um problema, simplesmente segue com a vida (os trabalhos de "recovery" tradicionais sao baseados nos doze passos do AA, na abstinencia, etc)
o que fazia neguinho ir em cana, ou perder emprego, ser posto pra fora do motel ou apartamento, nao e' o uso proprio de drogas (incluindo etoh), mas o comportamento adjacente (neguinho entrando e saindo, barulho, visita de policia ou ambulancia, etc, ou brigar com patrao, chegar atrasado, nem ir, etc)
comportamento e' facil de mudar quando um quer, a questao da uso proprio da droga e outro assunto, tenho minhas opnioes proprias, mas nao interessa
aqui na california passou a proposicao 36 que oferece tratamento ao inves de cadeia, muito do nosso pessoal ta nessa, e tem as clinicas de methadone, etc
mas de algum modo estamos atrasados, ja que em LA e' proibido distribuir agulhas, etc
o engajamento e' baseado na relacao com o servidor publico (terapeutas, social workers, psiquiatras, enfermeiros, etc) e na motivacao das duas partes para uma mudanca - mas o desejo tem que vir do paciente (que aqui chamamos clientes!)
sinais na verbalizacao de problema, discomforto, e possivel mudanca sao medidos: chamaos isso engajamento (nao lembra do palavra em portugues, e essa ai soa estranha)
vida saudavel dentro numas, a vida do drogado pobre negro ou latino, de motel pra motel, ouvindo "vozes", tentando se matar, prostituicao, na skid row em hollywood ou no south central apesar de glamourizada pelo mundo, fala de uma aflicao e tristeza singulares
vai se levando e' a unica espressao brasileira pra essa "subrevivencia" </marcelo> <!--3:35 AM-->
<Hana> Marcelo, será que vc podia explicar um pouquinho como eh o approach de voces na tal harm reduction? Serah que eh pedir muito? Fiquei interessada em saber como os caras mudam o comportamento geral em relacao a vida sem modificar o consumo de drogas.
Ou o engajamento de maneira ampla numa vida mais saudavel deve levar a diminuicao do consumo? Parebens pelos resultados, de qualquer maneira.
abracos
Haná </Hana> <!--12:04 PM-->
<marcelo> apresentei em sacramento para o governo do estado (california) os "outcomes" da minha clinica (servimos 140 neguinhos recem saidos da prisao de los angeles com problemas psiquiatricos cronicos). o nosso "approach" e' harm reduction hardcore - os outcomes foram o maior sucesso: aumento de empregos, diminuicao de hospitalizacao, diminuicao de dias na cadeia e emprisonamento, diminuicao de homelessness (sem casa, mendigo), aumento incrivel de volta-a-escola, diminuicao de sintomas, etc. medimos harm (uso de agulhas, prostituicao, roubo, unsafe sex, self mutilation, etc), medimos strenght (self esteem, etc), medimos risco - tudo na visao do terapeuta, trabalhador social, psiquiatra, etc; e na visao do paciente. todo esse sucesso com pouca (ou nenhuma) reducao do uso de drogas. neguinho vem na clinica chapado ou bebado mesmo, medimos engagement, e oferecemos tratamento interdisciplinar com um time de mais de 20. e' a clinica mais avancada de LA, e talvez da California. recebi convites para palestras em san antonio no texas (recem voltei, calor do cacete la no sul tejano), philadelphia, north carolina, oregon, hawaii, e por toda a california. vou ver se publico algo...
e no lado pessoal, compramos uma casinha aqui em west LA, e se mudamos semana que vem, a rachel (minha mulher) terminou o doutorado (defendeu a tese sobre autismo), aprendo golf, e o max gotze teve ai nos visitando (ele agora e' aeromoco, ou como ele diz, garcon de aviao, morando em frankfurt e namorando em oslo)...
fiz uma entrevista com john malkovich, mas nao tenho tempo de sentar e escrever, pois e' final de ano fiscal na clinica e tenho que calcular o orcamento pro proximo ano, que depois da crise de energia e com a guerra, a saude mental publica vai sofrer (nem tanto como a saude publica: 9 das 11 clinicas publicas de LA fecharam, deixando so' as clinicas das universidades (UCLA e USC))
as bandas de amigos finalmente fazendo sucesso, os amigos atores finalmete descolando pontas legais, e meus camaradas na playboy fecharam contrato pra videos com o jay z, o snoop e o 50 cent (talvez ajude na producao, se der tempo, mas acho que nao da')
no mais, nonada, rosinha flores como dizia riobaldo nas veredas dos sertoes dai
nos sertoes daqui, o mojave, calor de matar
beijao pra torcida e bola pro mato
cavalheiro del pueblito dela nuestra senora virgen reyna delos angeles, califa
andale..
</marcelo> <!--2:46 AM-->