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1. Apresentação
Criado no ano de 2000 por Maria Helena Bernardes e
André Severo, Areal é um projeto em
arte contemporânea brasileira cujas principais
vertentes de atuação são o
suporte à produção de artistas
convidados e a publicação da
série de livros Documento Areal.
Desenvolvido a partir de discussões realizadas
por seus proponentes durante uma série de
viagens pelo Rio Grande do Sul, Areal toma da Metade
Sul do Estado a imensidão de campos,
água e areia como símbolo dos limites
cada vez mais imprecisos das artes visuais como
disciplina na atualidade.
Do Projeto partem os meios para que se realizem
investigações artísticas
intensivas e a proposta de uma ocorrência de
arte sem mediação, resgatando ao
primeiro plano a experiência direta entre arte,
artista e público.
Em Areal, a autonomia de decisão sobre locais
e condições de realização
dos trabalhos cabe integralmente aos artistas, pois o
eixo do projeto reside na abertura às
proposições de tempo, local, meio e
espaço que expandem continuamente a
definição de arte, do centro do
trabalho artístico para sua exterioridade.
Através da publicação da
série Documento AREAL, voltada à
divulgação dos trabalhos de seus
participantes, bem como de outros textos relativos
à arte contemporânea, AREAL possibilita
que a autoria do artista seja estendida a todas as
etapas concernentes a seu trabalho, o que abrange
desde a fase embrionária de cada proposta,
até a concepção das
publicações que documentam, ou
são relativas, às obras realizadas no
âmbito do projeto.
Multiplicidade de meios, dissolução de
linguagens, interrogação às
idéias de visibilidade e de
exposição configuram o campo de
interesses em que transita este projeto que investe
na apresentação da arte pelo ponto de
vista do artista e visa dar suporte a um extrato da
produção contemporânea
dificilmente viabilizado em âmbito
institucional.
2. Patrocínios e apoios
Em 2001 o projeto contou com apoio de SESC RS,
Universidade de Santa Cruz do Sul e Editora EDUNISC.
Em 2002, o projeto foi selecionado pela segunda
edição do programa Petrobras Artes
Visuais. Essa etapa se desenvolveu com a
participação dos artistas convidados
Elaine Tedesco, Hélio Fervenza e Karin
Lambrecht, resultando em novos trabalhos, debates e
publicações.
3. Série Documento Areal
A série, voltada à
divulgação dos trabalhos de seus
participantes, bem como de outros textos relativos
à arte contemporânea, é
coordenada por André Severo e Maria Helena
Bernardes e tem quatro volumes já publicados:
- Eu e Você - Karin Lambrecht.
Org: André Severo e Maria Helena Bernardes,
Editora EDUNISC, Santa Cruz do Sul, 2001. Documento
Areal 1.
- Vaga em Campo de Rejeito.
Maria Helena Bernardes, Editora Escrituras,
São Paulo, 2003. Documento Areal 2.
- O + é deserto.
Hélio Fervenza, Editora Escrituras,
São Paulo, 2003. Documento Areal 3.
- Sobreposições Imprecisas.
Elaine Tedesco, Editora Escrituras, São
Paulo, 2003. Documento Areal 4.
4. Artistas participantes e trabalhos
realizados
-
André Severo
Migração (2002-2003)
-
Data que o ideário da errância, em
suas múltiplas formas, já carrega
em si uma promessa de abertura para o incerto, de
transposição de
incontingências e de abandono de
definições e
especificações. E este
somatório de aspirações,
refletido em características de nossa
humanidade, na vontade de superação
e no incoercível desejo de manter o
movimento de negação das
determinações, parece ser,
justamente, o elemento revelador da pulsão
migratória contida no conjunto total de
nossos aspectos essenciais.
(Trecho de Porção Errante, de
André Severo. Consciência Errante,
André Severo. Documento Areal 5, Editora
Escrituras)
O trabalho Migração, de
André Severo, envolveu o deslocamento do
artista por doze municípios do Rio Grande
do Sul, elegidos por ele com base em
referências de trabalho, vínculos
pessoais, afetivos e familiares - ou, ainda,
sugeridos pelo próprio processo de
errância que caracterizou
Migração.
O trabalho teve início em janeiro de 2001
com a escavação de doze buracos no
chão do atelier do artista, em Porto
Alegre. Os buracos foram conservados abertos
durante o período de um ano em que se
desenvolveram as viagens.
O artista percorreu as localidades de Rio Grande,
Tapes, Chuí, Cacequi, Sant'ana do
Livramento e Santo Ângelo, entre outros
municípios. Em cada ponto de sua rota,
André Severo repetiu o procedimento de
retirar materiais de novos buracos ecavados no
solo para ali enterrar parte dos resíduos
provenientes do último local. Da mesma
forma, o novo material extraído era
transportado e enterrado no próximo
destino do roteiro. Conservando uma
porção retirada de cada lugar, o
artista reuniu, ao final do trabalho, doze
porções correspondentes a cada um
dos lugares por onde passou, transportando-as
consigo em sua itinerância ao longo de um
ano pelo estado.
Campo aberto, areais, terrenos de carvão,
situações urbanas, matas e beiras
de estrada, compõem o entorno onde se
repetiu uma mesma operação.
Indiferente à restrição ou
amplidão da paisagem, à
resistência ou à passividade do solo
que seria escavado, o procedimento do artista era
sempre uniforme e pontual: escavar, remover,
enterrar, transportar.
Em fevereiro de 2002, o ciclo migratório
foi encerrado com a volta de André Severo
a seu atelier, em Porto Alegre. Nos buracos ainda
abertos, foram enterradas as
porções de resíduos
extraídas nas viagens.
No intervalo em que realizou sua
itinerância, André Severo
também se dedicou à
produção de textos que tangenciam
conceitualmente a experiência
Migração e que integram o livro
Consciência Errante, de sua autoria. O
livro, Documento Areal 5, reúne textos e
imagens produzidos em alternância, deixando
transparecer tanto os embates corporais do
artista com a matéria dos terrenos por
onde passou, quanto os mergulhos conceituais em
torno da idéia de errância que
conduz os ensaios.
Enterrados os detritos e cobertos os buracos,
resta o livro, Consciência Errante, como
último resíduo do experimento
Migração, sua ponte de
comunicação com a
situação contemporânea e
futura.
-
Elaine Tedesco
Sobreposições
imprecisas (2002-2003)
-
Lembro-me de ler notícias nos jornais
sobre os problemas causados pela Estrada do
Inferno e de ver, ao lado dos textos, imagens de
casas soterradas pela areia apenas com o telhado
de fora, caminhões e ônibus atolados
e também barcos encalhados. Para quem
não conhece, o litoral a que me refiro
parece com uma linha horizontal (com
exceção da praia de Torres) e quase
reta de areia, mar e vento. Areias Brancas, praia
onde eu passava os verões, era assim
também. Como a estrada no litoral norte
também era ruim, para abreviar o caminho -
o que nem sempre acontecia - era comum que os
ônibus trafegassem pela beira-mar.
Recordo-me do dia em que houve uma tempestade e,
depois dela, a correria de pessoas em
direção à praia para acudir
os passageiros de um dos ônibus que estava
sendo tragado pelo mar - a cena era tanto
trágica quanto absurda. (Trecho de Com a
escada à beira da Lagoa, de Elaine
Tedesco. Sobreposições Imprecisas,
Documento Areal 4, Editora Escrituras, São
Paulo)
O trabalho Sobreposições
Imprecisas, de Elaine Tedesco, se constituiu de
uma série de interferências
realizadas em viagens a partir da
inserção de objetos na paisagem e
projeções de slides sobre elementos
da arquitetura de pequenas localidades da zona
litorânea e central do Rio Grande do Sul.
As imagens participantes da série de
projeções foram captadas em um
processo de dupla exposição dos
slides. O procedimento permitiu à artista
fundir e fazer conviver universos tão
distintos quanto cenas de sua casa, em Porto
Alegre, e a amplidão de extensões
de areia do litoral sul. Essas cenas tomaram
parte de interferências realizadas pela
artista durante suas viagens pela região
onde se desenvolveu seu trabalho, entre maio de
2002 e fevereiro de 2003.
O encontro da artista com a paisagem local e seus
moradores geraram um processo de descoberta e
troca determinantes para a
realização de
Sobreposições Imprecisas,
resultando em momentos intensos de
experimentação artística
compartilhada publicamente. Este é o caso
das projeções realizadas sobre a
cortina da janela do Hotel São Luiz, no
centro de Mostardas, que proporcionou aos
passantes noturnos um momento de desfrute de
imagens desconhecidas e híbridas. Da mesma
forma, as projeções em uma antiga
cooperativa arrozeira de Rio Pardo foram
realizadas em meio ao turno de trabalho de um
grupo de costureiras que reparam sacos para
armazenamento de arroz. A troca de
experiência vivida nessas
situações impregnou de novas
imagens o trabalho de Elaine Tedesco:
caminhões feitos em madeira para resistir
ao sal das praias, águas de uma lagoa que
se confunde com o céu e pilhas de sacos de
arroz que vêm sendo remendados há
quase um século, registram a
absorção de uma paisagem descoberta
simultaneamente ao desenvolvimento do processo de
trabalho.
O livro Sobreposições Imprecisas,
de Elaine Tedesco, (Documento Areal 4), é
pleno da elaboração e estranheza
visual que marcam suas fotografias. As imagens
deixam entrever a desconcertante
inserção desse trabalho no lugar
eleito para sua realização, o amplo
e vazio horizonte da metade sul do Rio Grande do
Sul.
-
Hélio Fervenza
O + é deserto, (Documento Areal 3)
-
(... então voltar à zona inicial
...utilizar um texto como entrada, como
saída, como um vai-e-vem de fluidos
criando a indefinição de uma
orla... então usar o texto como vidro,
como celofane transparente, seguir o fluxo
diáfano da água, escorrer o olhar
por dentro de seu volume... usar o texto como
lâmina invisível, surgir pela
abertura, pelo olhar que atravessa e não
encontra anteparo, usar o texto como um
travesseiro cristalino (sonhar: o deserto... o
desejo), usar o texto como travessia na espessura
atmosférica, no espaço desse dia
que inclina suas luzes e despeja suas
obliqüidades na sala, usar o texto com toda
a relatividade da noção de vazio,
usar um texto branco, um texto em branco, usar um
texto incolor, usar um texto...)
(Trecho de Conjunto Vazio, de Hélio
Fervenza. O + é deserto, Hélio
Fervenza, Documento Areal 3, Editora Escrituras,
São Paulo)
Convidado pelo projeto Areal para elaborar a
terceira publicação da série
Documento Areal, Hélio Fervenza se dedicou
intensamente à produção do
livro O + é deserto no qual associa
criação visual, ensaios
críticos e documentação
relativa a seus trabalhos. O livro traz,
também, a proposição de
'páginas-trabalhos',
composições
gráfico-literárias especialmente
elaboradas para a publicação.
O ensaio intitulado A função do
amanhã é um exemplo que,
certamente, constitui um dos encontros mais
sensíveis entre os temas da
criação e
apresentação pública da arte
já escritos. Prazer, descoberta,
crítica, reflexão e devaneio
compõem um conjunto de impressões
anotadas pelo artista ao realizar um trabalho nos
moldes de site specific work no espaço
físico e simbólico de um grande
evento. Sua escritura nos transporta a um
intervalo entre dois mundos: o tempo presente de
uma grande bienal de arte contemporânea e o
tempo passado dos antigos armazéns
portuários que sediaram o evento. Entre
estes dois momentos - um testemunhado e o outro
deduzido ou imaginado -, o artista desvela um
terceiro espaço invisível, povoado
por signos afetivos, mnemônicos e,
também, políticos, que atingiu sua
percepção como faísca
resultante do choque entre dois mundos e dois
tempos.
O trabalho visual de Hélio Fervenza
encontra no aspecto gráfico e na escritura
elementos motivadores de criação e
expansão do pensamento, gerando campos de
encontro entre visualidade e escrita. Com a mesma
habilidade que demonstra ao abrigar em seus
ensaios universos paralelos e aparentemente
conflituosos, o artista sabe aproximar em seu
livro textos e imagens em um raro acerto de
convivência em que as partes não se
subordinam, nem ilustram umas às outras.
Transitando entre livro de ensaios e livro de
artista, O + é deserto não se
define, ainda, como registro de trabalho. Para
situá-lo em sua liberdade, é
preciso lançar um olhar à
própria obra de Hélio Fervenza, que
traça um percurso aberto em sentidos
multidirecionais, apontados pela crítica e
intuição vivas do artista.
-
Karin Lambrecht
Registros de sangue (Bagé, Brasil, 2001)
Registros de sangue (Sant'ana do Livramento,
Brasil, 2003)
Registros de sangue (Cerro Largo, Uruguai, 2003)
-
Os 'registros de sangue' de Karin Lambrecht
envolvem a apropriação de uma
seqüência de acontecimentos cotidianos
da região sul do Brasil que ganham, no
trabalho da artista, um espectro amplo e
simbólico a partir de uma cena marcada
pela inscrição da morte à
plena luz do sol. Sem deslocar nada do lugar e
sem interferir no ato cotidiano do abate de um
animal, Karin Lambrecht dispõe seu
trabalho para ser manchado pelo sangue que, de
qualquer forma, mancharia a terra ou o fundo de
uma bacia utilizada nessas ocasiões.
Passiva, a artista coloca-se ao lado da cena que
se desenrola diante de seus olhos como uma
esteira mecânica, de onde sairão
algumas peças de tecido e papel que ela
recolherá ao final. O objeto de sua
apropriação - a cena do "carneio"
na campanha gaúcha - parece
inquestionável. A similaridade formal
entre as impressões de sangue de
Bagé e as pinturas e desenhos elaborados
por Karin Lambrecht em seu atelier é
surpreendente, especialmente se considerarmos
que, em Eu e Você, não houve
interferência por parte da artista durante
ou após a feitura das impressões.
Isso atesta que a escolha da cena de abate como
elemento estrutural e ambiente de trabalho
é resultado de uma trajetória de
reflexão profunda desenvolvida em torno de
regiões limítrofes à vida e
à morte e sublinhada pelo choque entre
natureza e cultura.
(Maria Helena Bernardes, in Retrato da Utopia).
A participação de Karin Lambrecht
no Projeto Areal se deu através da
realização de três de seus
registros de sangue em ambos os lados da
fronteira que separa Brasil e Uruguai.
Em maio de 2001, em Bagé, o trabalho se
desenvolveu com a participação de
um pequeno grupo de pessoas convidadas pela
artista, reunidas em uma fazenda na zona rural da
cidade. Presentes durante o abate de um carneiro
visando o consumo doméstico de sua carne,
cada participante recebeu um órgão
do animal entregue pelo carneador e o depositou
sobre uma folha de papel. Abaixo da marca
impressa pelo sangue, o convidado escreveu seu
nome e o nome do órgão que havia
recebido. As folhas, preparadas pela artista,
continham a inscrição EU e
VOCÊ, carimbada na parte superior, e
estavam numeradas como uma tiragem. Finalizado o
abate, as impressões de sangue produzidas
sobre papel reuniram-se a duas peças de
tecido, (cruz e veste), manchadas igualmente com
o sangue do animal sacrificado.
O segundo Registro de Sangue realizado por Karin
Lambrecht em sua participação no
projeto Areal ocorreu em fevereiro de 2003, em
uma fazenda na área de Quaraí. O
trabalho envolveu a participação da
filha da artista que portou uma vestimenta de
algodão manchada com o sangue derramado
durante a morte de um carneiro, seguindo os
moldes da tradição judaica, (abate
por degola), habituais na campanha gaúcha.
A cena marcante da figura feminina com uma
'vestimenta de sangue', exposta a campo aberto,
foi repetida em março de 2003, em uma
terceira estância, dessa vez em Cerro
Largo, já em território uruguaio.
Da participação de Karin Lambrescht
em Areal resultou o livro Eu e Você - Karin
Lambrecht, Documento Areal 1, com textos, imagens
e depoimentos reunidos pela artista. O livro se
concentra sobre o momento efêmero dos
trinta minutos em que transcorreu o trabalho
realizado em Bagé, contribuindo para
situar a complexidade dos trabalho de sangue de
Karin Lambrecht em suas várias camadas de
procedimento, significado e dimensão
existencial.
-
Maria Helena Bernardes
Vaga em campo de rejeito (2001-2002)
-
A hipótese da vaga perfeita apareceu de
súbito, alguns dias mais tarde, ao olhar
distraída para o entorno da
Estação Rodoviária. O
espaço em questão era tão
inegavelmente uma vaga que mesmo eu não a
tinha percebido antes, plantada junto ao ponto de
embarque dos ônibus. Estava ali muito
claramente, tendo a Rodoviária à
direita e a Câmara de Vereadores à
esquerda, dois prédios dispostos em
ângulo tão peculiar, um em
relação ao outro, que não se
poderia definir o espaço entre eles como
pátio, depósito ou qualquer outra
coisa. Quem poderia planejar tal
disposição sem prever uma vaga por
conseqüência? A origem das vagas
é um mistério.
(trecho de Vaga em Campo de rejeito, Maria
Helena Bernardes, Documento Areal 2).
Realizado entre setembro de 2001 e janeiro de
2002, em Arroio dos Ratos, município da
região carvoeira do Rio Grande do Sul, o
trabalho Vaga em Campo de Rejeito foi o segundo
volume publicado pela série Documento
Areal. No livro, a artista apresenta a
experiência sob formato de um relato
ilustrado, seguido de um ensaio de André
Severo.
Na acepção da artista, o termo
vagas define espaços urbanos
característicos pela falta de
ocupação e função,
desprovidos, portanto, de sentido aos olhos dos
que circulam em seu entorno. A
identificação de uma vaga é
um trabalho de ação e
reação em contexto urbano e se
completa nos diálogos com passantes que se
aproximam, curiosos sobre a
movimentação em torno de um
espaço tido como imperceptível.
Após identificar uma vaga no centro de
Arroio dos Ratos, a artista partiu em busca de um
campo vago na mesma cidade. O campo deveria ser
um espaço maior, dotado das mesmas
características: lugar vazio, sem
função no presente e desconsiderado
pelos passantes. A partir da
identificação dos dois
espaços, a artista obteve auxílio
de moradores para 'transferir' a vaga original e
reconstrui-la sobre o campo vago, processo que
teve seu rumo definido pela
participação das pessoas que se
agregaram à realização de um
projeto cujo centro era a
construção de um 'vazio sobre
outro'.
Por um período de quatro meses, Maria
Helena Bernardes trabalhou em
colaboração com
proprietários, trabalhadores do campo,
passantes, pescadores, camelô da cidade e
funcionários do museu local. O trabalho
culminou com a participação da
prefeitura de Arroio dos Ratos, que cedeu uma
equipe de obras para finalizar a
construção, recebendo como
'permuta' a participação da vaga
reconstruída como um dos atrativos da
Festa da Melancia, principal evento
público do município.
-
Linha Aberta Camaquã (2003)
-
(...) um objeto de ferro com a fotografia de um
cachorrinho branco que, em certa ocasião,
apareceu diante de André Severo e de mim
enquanto caminhávamos na praia do Mar
Grosso, em São José do Norte. Era
um dia cinzento de junho e o mar estava baixo.
Não que estivesse calmo, ao
contrário: quando dois pescadores puxaram
sua rede, só o que encontraram foi um bolo
de fios emaranhados contendo um pobre siri,
triturado pela força incrível do
mar do Sul. A rede estava imprestável.
(...) Do Chuí ao Cassino, ou do "Norte" a
Mostardas, nosso litoral é impressionante
e belo, não há dúvida.
Porém, ao pensar nas casas do Hermenegildo
retorcidas pela fúria deste mar horizontal
- ou no pobre siri triturado na rede - vem uma
melancolia que apenas a visão de um
cachorrinho branco, risonho na areia cinzenta,
poderia amenizar. O retrato desse cachorrinho, do
instante em que ele surgiu na imensidão do
Mar Grosso, está retido dentro da
peça feita em ferro, a que me referi.
Interessados em acolher este trabalho, por favor,
entrem em contato.
(Texto participante do trabalho Linha Aberta
Camaquã, a partir de fala da artista na
Rádio Camqüense, em abril de 2003, e
publicado em Site da mesma rádio)
O trabalho Linha Aberta Camaquã, realizado
entre janeiro e junho de 2003, no
município de Camaquã, envolveu dois
tipos de ação: trabalhos falados
(falas da artista em programas de rádio
com participação de ouvintes) e
disposições (entrega de objetos,
sons e imagens fornecidos pela artista para serem
dispostos por usuários de estabelecimentos
comerciais em seus locais de trabalho).
As participações de Maria Helena
Bernardes nos programas "Cidade Aberta", "Linha
Aberta" e "Alô, Brasil", da rádio
Camaqüense, bem como o conteúdo de
pequenos textos publicados no site
jornaleletrônicocamaquã.com,
difundiram seu desejo de realizar um trabalho de
arte na cidade. A resposta recebida por parte de
moradores, bem como a peregrinação
da artista pelo comércio local, levou
à realização de três
disposições em estabelecimentos da
cidade: Borracharia do Derceu
(disposição de objeto com
cachorro); Hospital Nossa Senhora Aparecida
(disposição de
objeto-sonoro-ambulante) e Lojas Lebes
(disposição de vídeo;
composição musical e objetos).
'Como e onde realizar o trabalho?' Essa
questão prática, que motivou
inicialmente as entrevistas, passou a ser
substituída por outras, de ordem
subjetiva, desenvolvidas ao longo da
participação da artista em
programas da Rádio Camaqüense: "Por
que fazer esse trabalho?"; "A que anseios
responde sua realização?"; "Que
diferença há entre fazê-lo ou
não?" - perguntas que retomavam,
circularmente, o desejo humano de entrar em
contato com a arte, interrogando a força
ou a debilidade de sua pulsação em
determinada situação.
Enquanto perguntas e objetos eram dispersos pelo
rádio, jornal e comércio de
Camaquã, a artista seguia conclamando os
ouvintes a colaborar com a situação
transitória que propunha, desenhada pela
confluência de desejos imprecisos,
orbitantes em torno da palavra arte.
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